domingo, 24 de novembro de 2013

Sociocosmologia Amazônica e Maestria. Donos demais: maestria e domínio na Amazônia.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132008000200003&script=sci_arttext 



Mana vol.14 no.2 Rio de Janeiro Oct. 2008

Carlos Fausto
Professor associado do PPGAS/Museu Nacional/UFRJ e pesquisador-bolsista do CNPq e da FAPERJ. E-mail: <cfausto@terra.com.br>

Na origem, o mundo não foi dado em comum aos humanos por uma divindade para que fosse apropriado. A ontologia do tempo mítico não estabelece duas grandes classes de seres: de um lado, sujeitos autônomos (proprietários de si); de outro, coisas apropriáveis (propriedades em potência). Não há partição definitiva entre sujeitos e objetos. O mundo do mito é permeado por um fundo de continuidade subjetiva, um fluxo comunicacional envolvendo todos os existentes. Esse estado, ao contrário da identidade original àSubstância-Deus, seria, como argumentou Viveiros de Castro (1998:41; 2007:51), um estado de diferenças infinitas, internas à pessoa, caracterizado pelo regime da metamorfose. Nesse estado primordial, a diferença está pressuposta, embora não ainda posta, pois o que o mito narra é precisamente a posição da diferença, i.e., a produção de descontinuidades entre as espécies, entre os coletivos humanos, entre o céu e a terra, entre o dia e a noite, entre as terras firmes e as águas que, em seu conjunto, irão constituir o mundo tal qual o conhecemos. São justamente os donos virtuais, seres com capacidade criativa e transformativa, que engendrarão-fabricarão, por meio de suas ações e de seus lapsos, o mundo pós-mítico.

As Primeiras Pessoas viviam — justamente como o fazem os xamãs hoje — em um estado polimorfo, no qual nenhuma fronteira existia. Era o tempo das origens (illud tempus), quando o Céu e a Terra estavam ainda conectados e as distinções entre espécies ainda não eram reconhecidas. Foi somente quando essas divisões se solidificaram que, por fim, as Primeiras Pessoas se retiraram da Terra, deixando suas formas para trás como resíduos do que fora o Tempo do Sonho. Após sua retirada da Terra, cada uma das Primeiras Pessoas tornou-se o "Mestre" ou arache das espécies que engendraram (Guss 1989:52).
Não são apenas os atributos "naturais" que se definem nesse processo de especiação; definem-se também os atributos "culturais" de cada espécie.

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